O Elísio desenterra as memórias brasileiras na II Guerra Mundial, especialmente as histórias reais vividas pelo soldado Eliseu de Oliveira, integrante da FEB (Força Expedicionária Brasileira), combatente na Itália, e prisioneiro em um campo de concentração alemão. O autor Renato Dalmaso, através de um intenso e extenso trabalho de pesquisa, construiu um épico de guerra digno das grandes produções hollywoodianas.
Roteiro
A HQ, de forma quase documental, conta a história das tropas brasileiras que lutaram contra o Nazi-fascismo na Itália ao lado dos americanos, sua convivência, o desconhecimento dos reais motivos do envolvimento brasileiro na guerra e os dias de Eliseu e seus aliados na prisão.
Em 1944 vemos os primeiros passos da jornada ao inferno. Desde a chegada das tropas da FEB em solo europeu já podemos perceber quão difícil era a vida dos militares brasileiros, não só pelo desentendimento da população quanto ao papel brasileiro na guerra mas também pela precariedade de seu armamento, e até ausência dele.
Em um dos tiroteios travados com os Tedescos, como eram chamados os alemães, a munição de sua equipe acaba e Eliseu precisa chegar até um outro batalhão para pedir ajuda. Chegando lá ele se vê em um problema ainda maior, pois além de não ter munição, este batalhão está encurralado. Não restando outra opção, o soldado se arrisca e retorna ao casarão onde se encontrava seu batalhão, e apesar de seu esforço, acaba sendo rendido e levado prisioneiro pelos nazistas.
A partir daí vemos o inferno do título se aproximar a passos largos, com Eliseu e seu companheiros sendo condizidos por milhares de quilômetros, a pé, em uma imensa caravana até um campo de concentração; não bastasse o tremendo esforço para caminhar, eles ainda passam fome a ponto de comerem as solas de seus coturnos, além de animais mortos e uma sopa fétida feita com sabe-se lá o quê. Se isso parecia ser o fundo do poço, ainda tinha muito a piorar. Contrariando a Convenção de Genebra, os alemães passam a evacuar os prisioneiros com a ajuda de trens, abarrotados de pessoas, que invariavelmente faziam suas necessidades no chão dos vagões tornando o ambiente extremamente inóspito.
Já em Stalag VII A, campo de concentração situado na cidade alemã de Moosburg, para onde os pracinhas brasileiros foram enviados, são submetidos aos tratamentos hediondos que já vimos tantas vezes em diversas obras, e acompanhamos sua saúde definhar, assim como suas esperanças de serem libertos e reencontrar sua pátria amada, o que só é restaurado com a chegada dos Aliados à cidade e a notícia do fim da guerra.
Veredito
O que Renato Dalmaso faz em O Elísio é sem sombra de dúvida um dos trabalhos históricos mais completos e profundos que se pode encontrar entre as HQs nacionais. Relembrando o heroísmo de mais de 25 mil soldados brasileiros que lutaram a favor da democracia em terras estrangeiras, mas que tinha em seu país de origem um regime totalitário implantado: a Ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas. E mesmo depois de saírem vitoriosos da maior guerra que a humanidade já viu, foram relegados ao esquecimento e difamados pelo seu próprio povo.
Através do roteiro que mescla grandes batalhas como momentos de reflexão e sua arte aquarelada, o autor revela muito mais que um simples história de guerra com tiros e explosões, fazendo uma exposição real dos questionamentos existencialistas que o front de batalha causa na mente humana, tratando de assuntos tão profundos quanto as incertezas frente a morte iminente. Da humilhação de ser achincalhado pelas pessoas por quem jurou defender, até o racismo e a xenofobia por parte de seus próprios aliados, o autor exibe as situações mais brutais que nosso herói suportou e como parte da imersão, Dalmaso usa diálogos em alemão, italiano e inglês sem traduzi-los, aumentando a sensação de estranheza e não-pertencimento àquela barbárie; além de já citada arte, que é belíssima e dá toques ainda mais sutis de humanidade e sofrimento à obra.
Além disso a pesquisa feita pelo autor foi desde um entrevista que o jornalista Altino Bondesan, feita em 1947, que resultou no livro Um Pracinha Paulista no Inferno de Hitler, até registros da própria família de Eliseu de Oliveira. Renato Dalmaso apesar das liberdades criativas que tomou, como diz o prefácio da obra, faz um registro histórico digno de todos os elogios que vem recebendo, e tal esmero e dedicação merecem a alcunha de Maus brasileiro, guardas as devidas proporções, é claro.
Eliseu de Oliveira embarcou rumo à Europa em junho de 1944 e integrou o 1° batalhão do 6° Regimento de Infantaria, sendo levado preso junto de seus irmãos de armas em outubro do mesmo ano. Eliseu e seu amigos só veriam a liberdade novamente em 29 de abril de 1945, com a chegada das tropas do VII exército norte-americano. O brasileiro ainda foi condecorado com a Cruz de Combate de Primeira Classe, por sua atuação na captura de cinco oficiais do exército nazista. Eliseu faleceu em 2012.
6 JOIAS DO INFINITO
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