Escrito por Stanislaw Lem no início da década de 1960, Solaris é um dos melhores exemplos de ficção científica atemporal e um dos pioneiros do subgênero de Space Opera.
Impulsionado pela corrida espacial travada por Estados Unidos e União Soviética, iniciada em 4 de outubro de 1957, quando a URSS colocou em órbita seu primeiro satélite, o Sputinik I, e pela descoberta de que o homem poderia expandir seu ímpeto exploratório para muito além da Terra, o autor polonês deu vida a outro planeta, um tanto peculiar, mas igualmente intrigante e misterioso quanto o nosso lar.
Roteiro
O livro se passa em um futuro distante e acompanha o psicólogo Kris Kelvin, enviado à estação de pesquisa solarística, como é chamada a vertente da ciência responsável por explorar o planeta Solaris, descoberto aproximadamente à 100 anos. Ao chegar à estação que está em órbita do planeta, ele é recebido pelos seus companheiros pesquisadores de forma estranha e percebe que eles estão amedrontados, apresentando comportamento anormal, e é surpreendido pela a notícia de que seu melhor amigo, o também cientista Gibarian, suicidou-se pouco antes de sua chegada.
Sem muito esforço, Kelvin descobre que o motivo de tamanha paranoia entre os membros da tripulação são visões tenebrosas de seus passados, que também passam a assolar o protagonista. Tais visões são a materialização de suas memórias reprimidas no fundo de suas mentes, que por algum motivo são manifestadas naquele lugar por uma força incompreensível.
O planeta é diferente de todos os outros conhecidos pela humanidade: orbitando dois sois, um vermelho e outro azul, ele é completamente coberto por um oceano vivo, e talvez até inteligente, o que gerou inúmeras teorias e debates acadêmicos a cerca de sua natureza enigmática. Nem mesmo os tripulantes da estação sabem ao certo o que é real, suscitando dúvidas e questionamento que podem não ter as respostas que desejam encontrar. Seria o oceano o causador das aparições? Estaria ele fazendo algum tipo de jogo ou experimento com seus novos habitantes? Seriam apenas alucinações causadas pela atmosfera tóxica presente naquele planeta? E mais, estariam os "solarianos" dispostos a ir até a última consequência para se livrarem de seu passado, ou a convivência pacífica com essas aberrações é a única solução?
Reflexões Filosóficas
Kelvin narra todos seus passos na estação com uma elegância ímpar, e mesmo nos momentos em que facilmente poderíamos nos perder, como quando ele faz extensas exposições dos estudos científicos, teorias e opiniões que outrora foram temas de debates na Terra, nos sentimos imersos no universo ricamente criado pelo autor. Escrito de maneira magistral em primeira pessoa, nos sentimos na pele do protagonista, e não são poucas as vezes em que nos questionamos como nos comportaríamos se estivéssemos vivendo a mesma experiência.
Por esse motivo, ao longo das quase 310 páginas somos confrontados frequentemente com reflexões profundas sobre como o homem lida com a solidão, com a sensação claustrofóbica que um ambiente hermeticamente fechado causam à mente humana e com a manifestação do desconhecido, e principalmente com suas mais lúgubres e ocultas memórias.
Se os oceanos quase inexplorados da Terra já nos causam fascínio, imagine o terror que um oceano vivo, repleto de características que mal podem ser descritas em palavras, a milhares de anos-luz, poderia exercer sobre o homem. Stanislaw Lem insere elementos de horror típicos de H.P. Lovrecraft e os mitos de Cthulhu, dando um aspecto senciente ao oceano de Solaris, tornando-o quase como uma entidade cósmica, que manipula com belas exibições plásticas todos aqueles que ousam desafiá-lo, para em seguida subjuga-los.
Pioneiro no Gênero
Além disso a atmosfera da estação é completamente diferente do ambiente que estamos acostumados a ver em obras de ficção científica: seus longos corredores, invariavelmente vazios, dão a sensação que o protagonista pode se deparar com alguma coisa a qualquer momento e a pequena tripulação apenas acentua o sentimento de solidão. Tal como algumas obras posteriores à Solaris, o assombro de imaginar que há algo a mais na nave, além do que se pode ver, causa uma certa agonia que é acentuada com os avisos que Snaut dá, o primeiro tripulante com quem Kelvin encontra.
Essas características evidenciam a grande influência que este livro exerceu sobre diversas outras obras literárias, com seus conceitos transcendendo as mídias e sendo diretamente responsáveis por inaugurar sub-gêneros, tanto de ficção como também de terror. É o casos de filmes como Alien, O 8º Passageiro (1979), Enigma do Horizonte (1997) e Pandorum (2009) e da franquia de jogos Dead Space, que exploram a temática hard si-fi aliada ao medo que a vastidão inexplorada do universo gera e ao isolamento espacial, que impossibilita qualquer ajuda, como diz um dos posteres de Alien: no espaço ninguém pode ouvir você gritar. Ademais, o tom investigativo que Kris Kelvin assume no início da trama, desvendando os mistérios que o cercam por meio de cartas, gravações de áudio e arquivos encontrados em gavetas, armários e laboratórios também se tornariam largamente usados pelos protagonistas de jogos como Alone In The Dark (1992), Resident Evil (1997) e Silent Hill (1999).
Veredito
Solaris vai muito além de uma ficção científica espacial, extrapolando os conceitos de seu gênero, revolucionando-os e subvertendo seus elementos mais característicos, como a estação espacial e seus astronautas que estão ali, mas são apenas um pretexto para abordar temas mais sérios e filosóficos, tão profundos que nossa compreensão de mundo é severamente afetada após a leitura deste clássico. O livro é acima de tudo uma obra sobre a comunicação entre o homem e o ambiente ao seu redor, sobre sua relação consigo mesmo e com suas lembranças, e de como ele lida com suas memórias. O autor usa uma linguagem tão excepcionalmente fluida que ler as descrições minuciosas dos fenômenos que ocorrem no planeta alienígena não se torna uma tarefa enfadonha, e mesmo o detalhe mais abstrato parece simples e facilmente nos pegamos imaginando os movimentos que emanam do oceano. Suas ideias são apresentadas de maneira densa e talvez até complexa, exigindo um pouco mais de concentração do leitor.
Toda essa qualidade fez com que o livro fosse adaptado para os cinemas três vezes, sendo a melhor e mais fiel delas a primeira, de 1972, dirigida pelo diretor russo Andrei Tarkovski, levando o prêmio Grand Prix do Festival de Cannes no mesmo ano. E a mais recente, em 2002 dirigida por Steven Soderbergh, que apesar de ser um bom filme, é bastante criticado por ter deixado o tom filosófico da obra original para se voltar ao romance, o que não é nenhuma surpresa quando se tem George Clooney como protagonista.
Também vale ressaltar a belíssima edição capa dura com belos mosaicos representando o planeta oceânico, ótimo trabalho que vem sendo feito pela editora Aleph em todo seu catálogo de ficção científica.
6 JOIAS DO INFINITO
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